Quer um futuro? Comece pelo passado

A música Let’s Misbehave, de Cole Porter, além de inspiração para filmes de Woody Allen, nos brinda também com versos provocadores: “quer construir um futuro, querida? Por que não arranja primeiro um passado?” 

Nos esquecemos, muitas vezes, que inovação trata menos de um futuro distante do que da conexão reversa com o presente e, paradoxalmente, o passado. Ainda que haja temporais, começaremos a definir o produto da colheita com base em decisões tomadas no plantio, e nossos projetos bem poderiam ser como um Waze: ajustamos o trajeto ao destino com base nas nuances do caminho a percorrer.

Temos, para o bem ou para o mal, a tendência a exagerar nosso passado: supervalorizamos, em nossas empresas e casas, decisões acertadas e também enganos que mesmo os “gênios” cometem. Antecipamos resultados ilusórios e perdemos com isso a chance de ativar o magnetismo intuição-experiência. É comum, nas falas das pessoas que “chegaram lá”, a classificação de seus erros como etapas de um itinerário natural: não tivessem cometidos tais erros, não teriam recorrido ao que chamamos de ‘desvios do sucesso’.

Costumamos, pior que isso, tratar a passagem do tempo como armadilha: nos valemos de clichês como “a vida é curta” e decretamos que ficou tarde para começar projetos. Vasculhamos biografias ilusórias e imaginamos passados que deveríamos ter tido. Sintonizamos o indexador das redes e fabricamos medidas do que devíamos estar fazendo. Ligamos o cronômetro do espelho e deixamos de comemorar aniversários com amigos. Ignoramos que Momofuku Ando inventou o macarrão instantâneo depois dos setenta anos de idade, e delegamos nossa esperança a terceiros ao pensar que estudar inglês ou piano deveriam ter sido decisões tomadas por nossos pais para nós mesmos muito tempo atrás.

E por que tratamos nosso passado como condenação, quando ele bem poderia ser propulsão para decisões que podemos nos permitir tomar exatamente agora? Será que o fato de não conseguirmos nos impulsionar neste passado não mostra justamente nossa dificuldade de, em vez de desenhar a partir dele, não conseguir deixar de voltar sempre a ele?